quarta-feira, 29 de junho de 2016

Até já, Terceira!



28 de junho de 2016 (7:05)
O avião está a sair com 5 minutos de atraso.
E a culpa é minha.
Ou quase…
… Fui a última pessoa a fazer o check in e não sei porque carga de água meti na cabeça que o voo era às 8 horas. Pus o despertador para as 5:30 porque detesto chegar atrasada seja onde for e estávamos a sair bastante cedo de casa. Ainda tirei uma foto à única barraca que ficou preservada na Base para amostra. Quando cheguei e me dirigi ao balcão chamaram-me logo e disseram-me que estavam a fechar o voo. Que susto e que vergonha! Quando pedi desculpa o funcionário, simpático, disse que se via que era genuíno e eu não me tinha atrasado por desleixo. Parece que há atrasados profissionais.
O avião levanta. A senhora ao meu lado benze-se três vezes. Eu tenho que ver a Ermida de Nossa Senhora do Ar. Sempre foi assim.
Há algo neste momento de take off quando estou de visita a um lugar que mede o prazer que tive e a saudade que terei. É uma ternura no peito e um nó na garganta. Esta sensação faz-me certificar que tenho de voltar depressa. Seja pelas pessoas, pela paisagem, pelos cheiros, antes, pela comida. Aqui, é por tudo. Fica um pedaço de mim e levo muitos de todas as pessoas, da ilha. De novo, não compreendo a estúpida rivalidade entre as terras. Ou melhor, compreendo, mas lamento. Há tanto na complementaridade das diferenças (Angra/Praia; Lisboa/Porto, Terceira/São Miguel) que só enriquece todos os seres humanos. Há verdadeiros dispêndios de energia que poderiam e deveriam ser canalizados para aspetos produtivos. Mas é humano e possivelmente acontece em todos os lugares. Entre Madrid e Barcelona, por exemplo, atinge níveis bem mais elevados. Mas eu quero estar à parte disso. Então entre as duas ilhas que adoro, uma por umas coisas, outra por outras, é-me muito incomodativo. Talvez tenha a ver com esta minha capacidade de amar muito, duas ou mais pessoas, duas ou mais coisas. O amor multiplica, não divide. Possivelmente eu também incomodo outras pessoas com esta minha maneira de ser. Temos pena. Eu sou assim!
Depois de fazer o check in só queria chegar ao avião. Saber que me esperam é uma sensação desagradável.
Despedi-me da Almerinda mesmo ali no balcão e depois voltei-me para lhe dizer adeus e pegar na sua imagem para levar comigo, mas queria entrar logo para o avião. Está bem! A lentidão nos procedimentos de segurança quase me desesperava. Devagar e devagarinho… E recordei que aqui os ritmos são diferentes, ainda que eu sempre tenha sido acelerada. Mas os meus genes não são daqui… Em São Miguel temos mais pressa em tudo. Depois, a assistente de terra, uma simpatia, um grande sorriso. Sem pressas. Afinal, mais três ou quatro pessoas atrás de mim. Sem pressas.
Ontem foi de novo um dia intimista, aconchegante. Almoço com a Graça e a Almerinda. Não importa o que comemos, pois arranjámo-nos com o que havia, ou seja, qualquer coisa, pois o prato do dia já acabara. O horário de almoço é as doze e chegámos às treze. É algo a que nunca me habituei em São Migue: a hora de almoço às doze e trinta. Para mim continua a ser ao meio-dia, quando a sirene da Base, a parte portuguesa e a parte americana, cada uma com a sua, tocavam para o almoço. Eu preferia o som da portuguesa. Um projeto e uma promessa que vou tentar cumprir. Assim Deus me dê vida e saúde. Porque a vida passa demasiado depressa, foge-nos e quando damos por nós (se dermos), estamos do lado de lá. Projetos para já, outros para mais além, que a seu devido tempo serão divulgados, primeiro, a quem de direito. Porque também reforçámos o que sabemos: que não existe nada mais importante do que a amizade. Estas amizades que são de uma vida, tão especiais, ainda mais. Sem desprimor para as mais recentes, algumas extraordinárias e que entesouro na minha vida e coração. Sabemos que os anos passam e estamos lá. Na infância têm um significado, na juventude outro, na idade adulta, outra e na meia idade (pode ser um pouco mais, mas também fiquemos por este estadio, não abusemos), ainda outro. Cada qual com a sua beleza e importância. Mas também queremos vivê-las, não é só saber que estão lá. Os filhos crescem e seguem as suas vidas. Tudo o que não quero é ser-lhes um peso. A vida profissional tem o seu ritmo. Mas não se perde se, bem gerido, pararmos para respirarmos fundo. Antes pelo contrário. Aliás, isto eu sempre o soube. Exceto no 1º ano da minha formação profissional em Enfermagem em que me fechei em casa a estudar e não fui um único dia às Festas da Praia (creio que tinham outro nome), o que foi acertado na altura, nunca deixei de fazer outras coisas e nos poucos casos de insucesso (a desistência da tese do meu primeiro mestrado que já não me fazia sentido e um primeiro doutoramento em que fiquei apenas com a parte curricular) não foi o sair e o divertir-me que me levou às decisões. Retifico: não foram insucessos. Foram escolhas, passos atrás para ganhar balanço. Até hoje não me arrependi por muito que incomodasse algumas pessoas. Um dia talvez volte ao assunto mas os incomodados foram os outros. Nunca deixei de exercer s minhas funções e aquilo a que me tinha comprometido, inclusive às minhas custas, económicas, cognitivas, metacognitivas e emocionais. Portanto, ponto.
Respeito mas não admiro quem tem uma vida certinha, uma linha reta. Nunca tive nem a quero. Preciso de desafios e de adrenalina. Controlados. Também não é necessário caos. Com este não sei viver e tenho depois de andar a juntar os pedaços de mim. Menos!
O avião faz a aproximação ao “Aeroporto João Paulo II, na ilha de São Miguel, onde a Lagoa das Sete Cidades é uma das Sete Maravilhas de Portugal”. A frase, repetida nos voos da companhia açoriana, parece-me sempre algo descontextualizada, estranha e forçada.
Esta aproximação é frequentemente, algo turbulenta. Há uns anos, para mim, seria muito turbulenta. Tinha-lhe horror porque tinha horror de viajar de avião, após um susto quando estava grávida do meu filho mais novo. Como “menina da Base” viajei sempre muito e com enorme prazer, por vezes MUITO prazer, de avião. Mas esse susto fez-me refrear e estive anos sem sair dos Açores – apenas voava nos aviões da Força Aérea de que não tinha medo (afinal, foram o meu jardim de infância, literalmente, pois a minha mãe trabalhava na linha da frente). Custou-me muitos voos, projetos e Xanax. Até que descobri que ou me metia num avião comercial ou morria estúpida. A escolha foi óbvia. Ver a asa aparentemente quase bater na água e o nariz afunilar ao mar dá um nó no que já não tenho. Faz parte. Como aprendemos a relativizar tudo e determinados medos (voos e lagartixas, por exemplo) encontram a sua gaveta e ficam lá.
(7:35)
Aterrou. Fecho os olhos e travo com os meus pés.
Continuo a preferir estes aviões aos Avro onde passei o supra referido susto.

Até já!

sábado, 25 de junho de 2016

Do fundo ("from de bottom" fica melhor, não fica?) ou os alicerces onde se constroem as grandes amizades



Nesta busca de mim mesma era momento de voltar à minha terra natal. Onde estão as minhas raízes. Não as familiares, hereditárias e genealógicas pois, tendo eu nascido na ilha Terceira, até há pelo menos a 9ª geração, é tudo de São Miguel. Verdade. A minha genealogia é pouco variada nesse aspeto. Com ela feita, descubro que só 9 gerações antes de mim há alguém que não é da maior ilha de São Miguel mas do Faial, um antepassado, e das Flores, outro. Portanto, tendo eu visto a luz do Sol (que por acaso foi da Lua, pois nasci à meia noite e cinco minutos) na Praia da Vitória, sou mais micaelense do que a maioria dos que conheço. Fui Diretora da Biblioteca Genealógica em Ponta Delgada durante 5 anos e pude constatar que há muitos antepassados que são muito mais recentes na ilha do que no meu caso. Mas como eu afirmava, era chegado o momento de procurar as minhas raízes: do que foram os locais de infância, adolescência e início de vida adulta (saí desta ilha para voltar à terra dos meus ancestrais pela qual sempre tive uma atração que sinto cada vez mais que é muito profunda e espiritual quando tinha 27 anos). Também, dos amigos que alicerçam a minha vida desde a mais tenra idade e que é nesta ilha que estão. E, claro (e nisto sou muito terceirense!) das festas. Juntando tudo, as hipóteses seriam as Sanjoaninas, agora, ou as Festas da Praia, em agosto. Às últimas tenho vindo mais frequentemente e, como duas das minhas amigas não estarão aquando das mesmas, as Sanjoaninas seriam o momento ideal. Há cinco anos que não vinha a estas festas e delas basicamente o que desfruto é das toiradas de praça de eu sou aficionada. Também gosto imenso das de à corda mas são as de praça que me fazem viajar.
As minhas prioridades eram: estar com as pessoas amigas, a minha tia-madrinha, a minha prima e a sua família, ver conhecidos, ir à toirada de concurso de ganaderias, se possível a uma à corda, desfrutar a paisagem da ilha e provar alguma da sua incrível gastronomia.
Saí de Ponta Delgada na quarta-feira com o tempo cinzento e cheguei aqui com a mesma tonalidade. O avião aproximou-se sobrevoando a Praia da Vitória e senti um nó na garganta. Afinal, aqui nasci e é uma das paisagens que mais amo neste mundo.
O primeiro encontro foi com a amiga em casa de quem fico. Confesso que não me é fácil ficar em casa de outras pessoas e geralmente prefiro hotéis. Há poucas pessoas em casa de quem me sinta completamente à vontade mas esta é uma delas e onde fico quase sempre com a maior gratidão e carinho. Ainda para mais, vindo sozinha, estaremos só as duas, o que me é muito apetecível neste momento. Tive oportunidade de rever imediatamente o seu filho e nora, o que eu muito queria após tanto que passámos os dois. Foi um serão muito agradável, com imenso que contar e lutando contra o tempo que voa. Aliás, este é um aspeto menos bom nesta visita: serão demasiados poucos dias para o tanto que eu queria fazer e, principalmente, para tantas pessoas a quem eu queria ver. Fica desde já o meu pedido de desculpa a quem eu não conseguir e a promessa de que espero não levar tanto tempo a regressar.
Ontem foi dia de ver mais duas amigas, uma que generosamente me tem transportado e com quem fui ao Hospital de Angra, este já não ao das minhas raízes, onde trabalhei durante 6 anos, pois trata-se agora de um enorme, dizem que demasiado grande para as necessidades. Mas fui para um assunto profissional de um trabalho de investigação e com a oportunidade de dar um beijinho uma amiga e colega com quem trabalhei muito proximamente, a atual chefe do serviço de obstetrícia. Tive pena de não conhecer o serviço mas não se proporcionou. Também fui ao polo de Angra do Heroísmo da Universidade dos Açores, mais especificamente à Escola de Enfermagem onde tinha como objetivo rever colegas e cumprimentá-las, mas havia exames de estudantes e apenas tive oportunidade de conhecer uma funcionária a quem falo frequentemente ao telefone e conheci um colega com quem nunca havia estado. Deixei beijinhos e tive de ir embora pois aguardavam-me numa reunião. Mas gostei desta secção da Escola Superior de Saúde. Achei até mais agradável do que o edifício anterior, nenhum dos dois fazendo parte das minhas raízes pois iniciei o meu curso no ginásio, se não estou em engano, do Liceu de Grande, já que o terramoto de 1980 tinha destruído a então Escola de Enfermagem e o que existia eram umas instalações provisórias onde se assava no Verão, se tremia de Inverno e se assistia a chuva de interiores sempre que o generoso céu pluvial dos Açores dava o ar da sua graça. O meu curso terminou já num edifício mais decente nos Portões de São Pedro (agora reparo no nome e reconheço que lá dentro não era o céu mas permitiu um último ano de curso bastante agradável) do qual guardo várias recordações: o cheiro a lareira, a belíssima vista para o Monte Brasil e uma entrada com um alto tão grande que o meu VW 1300 carocha tinha de ser bem manobrado para não arrastar o fundo, ainda que sempre me assegurassem que o mesmo era blindado.
Regressando à Praia, foi a oportunidade de encontrar outra amiga de sempre, mais uma daquelas que me conhece o estado de espírito pelo modo como pontuo uma frase e que eu conheço o que pensa pelo modo como lhe tremem as narinas (gaitadaria!!!!). Conversámos tanto, sabendo que o tempo não nos era favorável, penso que foi muito bem aproveitado, pusemos o possível da “escrita em dia” com o dito e o não dito porque é destas amizades em que muitas vezes as palavras não são necessárias. Também é daquelas em que podemos estar (e estávamos) há anos sem nos vermos mas sabemos que nada mudou. Após umas breves compras juntámo-nos para jantar a três com a amiga que me hospeda. Acima de tudo o estar a três é que foi bom, a comida satisfez (o pudim de coco era delicioso) e depois, vindo para casa, foi o abrir de coração, nestas conversas de enorme cumplicidade com que só algumas pessoas têm e que eu duvido que os homens consigam. Com mais ninguém me desnudo tanto e vou tão a fundo. A Almerinda talvez seja a pessoa que melhor me conhece neste mundo o que não admira por tanto que temos partilhado, do bom e do menos bom das nossas vidas. Alguns anos mais velha, conhece-me desde que nasci, foi minha catequista, vivemos juntas a primeira gravidez, pois os nossos filhos fazem diferença de apenas 1 mês e meio de idade. O nosso nível de entendimento quase telepático é tão grande que ela sabia que eu não estava bem, que algo grave se passava mas que eu necessitava do meu espaço, portanto, que quando pudesse, comunicaria. Tive acompanhamento inexcedível e inolvidável de muitas pessoas como já referi neste blog. Mas também tive intrusão e quem achasse que eu deveria escrever ou atualizar o FaceBook com o que se passava. E eu simplesmente não queria falar, não queria escrever, não queria Facebook nem queria atender o telemóvel. Precisava de me afastar do mundo. A Almerinda foi as raras pessoas que não apenas o compreendeu mas o respeitou. E isto é de uma elevação que não tem qualificação a não ser por parte de uma pessoa muito nobre a todos os níveis. O mesmo sucedeu com a Raquel, pessoas que, efetivamente têm muitos pontos em comum. E depois não me digam que a astrologia não funciona (são do mesmo signo solar e, quase de certeza, se bem me recordo, têm o mesmo ascendente). Com elas sabemos estar juntas, até no mesmo espaço físico, sabendo resguardar o espaço da outra, quando estar e quando não estar quando falar e quando calar, quando ouvir e quando intervir. Tal como com a Graça, consigo uma conversa de elevado nível em que uma não atropela a outra a falar, o que já indica muito muito do nível de intimidade, do tipo de respeito e da relação profunda existente. Ah, e da boa educação!
Deste primeiro dia não há fotos. Precisámos ser só nós, tudo o mais era mesmo secundário.
O dia 24 de junho é o dia grande de Angra do Heroísmo. Começa na noite do dia 23, das marchas de São João, mas não fui. Como expus acima, nas minhas prioridades estavam primeiro as pessoas e depois as festas. Principalmente, os amigos e as pessoas que puderem e quiserem estar comigo, ou que, simplesmente, conseguirmos coincidir em tão curto espaço de tempo. Privilegiei então um serão intimista e hoje, sim, ver a madrinha e a prima e, simultaneamente, a espera de gado, algo de que gosto mesmo muito. Foi muito emotivo rever esta família até porque também passaram por momentos muito complicados neste interregno de tempo em que não nos vimos. Eu sou quase 5 anos mais velha do que a minha prima, conheço-a desde o seu primeiro dia de vida, recordo perfeitamente o casamento dos meus tios, eu tinha 3 anos e também com estas pessoas maravilhosas não há necessidade de nos vermos constantemente. Não importa o tempo e a distância, os sentimentos são sempre os mesmos. A minha tia, por ser casada com um tio muito precocemente ido deste mundo aos 50 anos (na minha família há várias mortes com esta idade e eu estive quase a ir também), é também minha madrinha de Crisma e foi das pessoas que me influenciou no gosto pela cozinha e pela doçaria. Para fazer justiça, foram as minhas duas madrinhas bem como uma prima e mais tarde comadre sendo esta quem me proporcionou acesso livre ao seu caderno de doçaria familiar e com quem fiz o primeiro doce, o meu afamado pudim de abóbora, que elaboro desde então todos os dias 31 de outubro, tendo apenas falhado o ano de 2014, ainda não tinha 10 anos. Enquanto escrevo isto tomo consciência da profundidade da sua influência pois são naturais de duas das zonas com melhor gastronomia deste país: Minho, a do baptismo


e Ilha Terceira, a do Crisma. Ambas as madrinhas me influenciaram nesta área, na minha educação pois são também pessoas de elevada moral e ética, fortes princípios e valores e até nas festas e receções que sempre dei enquanto vivi na ilha Terceira e que foram desaparecendo em São Miguel até não existirem mais, o que sucede por outros motivos mas que eu já estava a pensar retomar, pois ainda que tenha uma casa demasiado pequena para o que foram sempre as casas onde vivi há sempre forma de o fazer e estou pronta a redescobri-lo.
Os toiros, bonitos de presença, eram fraquinhos de bravura e o arraial tinha menos pessoas que aquilo de que me recordo.

Fomos desfrutar da cozinha simplesmente deliciosa da minha tia e da minha prima. A Aidinha saiu à sua mãe com quem aprendeu desde os genes. Se me influenciou a mim, imagine-se à filha!!! Comi a melhor sopa de legumes da minha vida e sinto-me inspirada a tentar ir além das minhas monotonias. É que a sopa é algo que não me sai bem nem eu gosto de fazer. Coro de vergonha em comparar as minhas com a que comi hoje mas a madrinha deu-me umas dicas e vou colocá-las em prática quando regressar. Provei vários petiscos, tudo do mais delicioso e destaco um pudim de forno com queijo Philadelphia que é algo indescritível. Meia colher de chá que aquele é dos tais que uma colher de sopa me provocaria uma cólica biliar. E, de novo, com tão pequeno pedaço fico tão satisfeita como se comesse uma fatia inteira. A minha querida amiga Adília demonstrava imensa pena de mim porque só dou uma dentadinha muito pequenina: num rissol, numa tosta com paté, no bacalhau de natas. Mas fico muito satisfeita e sinto-me muito melhor do que quando me empanturrava. A sopinha é que marchou toda. Foi comer e conversar, entre família, amigas e novas pessoas que conheci neste espaço de extrema generosidade, penso que só existente nesta ilha e que inclui a abertura das portas da casa e sentar à mesa pessoas que não se conhecem porque em dias de festa todos têm lugar e os anfitriões são de uma generosidade inigualável. E o tempo voou.
Antes de sairmos da Base houve oportunidade da Adília me comprar Centrum, aperitivos e chocolates, para nós na toirada de amanhã e para oferecer e, minha alma ficou parva: em tudo gastei tanto como seria em 2 meses de Centrum no mercado português, levando, só deste para mais de 6 meses.

O meu telemóvel ficou sem bateria e eu tirei menos fotos do que gostaria. Neste momento está a carregar porque amanhã, há de ser o grande dia de toiros, se Deus o permitir.

domingo, 19 de junho de 2016

Tirem-me desta fotografia e… o que eu preciso é de trabalho!






Hoje foi o final de mais um curso de licenciatura em enfermagem em Ponta Delgada.
Se há 1 ano o dia não me foi fácil, hoje não ficou atrás.
Este ano foi tudo planeado para um Domingo. Como tal, a minha cabeleireira veio a minha casa e além de me pentear, maquilhou-me. Eu gosto muito da sua maquilhagem porque fica muito natural.
Antes de sair a Verónica tirou-me algumas fotos mas eu não as vi bem porque sem óculos vejo mesmo mal.
Na Escola tiraram-me fotos enquanto eu dizia algumas palavras como Diretora de Curso. Quando as vi assustei-me. Já ontem fizemos um pic nic e custa-me muito ver-me nas fotografias. Atribui então que era por não ter sequer batom ou lápis nos olhos mas hoje tinha e assusto-me. Parece que tenho 60 anos!!!!!
Esta é outra coisa que eu digo a quem pensar fazer cirurgia bariátrica: façam cedo, antes muito antes dos 50. Porque com grandes perdas de peso envelhecemos mesmo.
Ainda que aas pessoas me cumprimente e me digam que eu pareço muito mais jovem, eu acho-me terrivelmente velha nas fotografias.
Também há as pessoas que dizem coisas muito queridas do tipo “o que conta é que és tu”; “és sempre bonita”, etc. etc.
Mas a autoimagem é muito importante e por mais que eu não gostasse do meu corpo obeso (na verdade detestava), gostava muito da minha cara. Só que parece que não se pode ter sol na eira e chuva nas couves (ou no nabal como se diz em certas partes do continente).
Quando decidi fazer essa cirurgia acordei, com o meu cirurgião daqui, uma meta para 75 Kg. Agora oscilo entre os 61 e os 63 Kg. É muito de menos mas não consigo de outro modo. Decidi com a nutricionista que se viesse abaixo dos 60, faríamos suplementos para travar, mas não foi necessário. Pelo menos até agora não foi. Literalmente (ou inversamente?) não há fome que não dê em fartura. Gostaria de aumentar de peso para encher mais a cara, mas não há como. Não tenho onde colocar comida e, ainda que coma de 2 em 2 horas, ou no máximo, de 3 em 3 horas, a dieta é quase isenta de gorduras por causa da litíase biliar. Que saudades tenho de um iogurte! Ou de um ovo! Mas acho que já escrevi sobre essas minhas saudades…
Há um ano, no final do último curso de licenciatura, eu tinha precisamente mais 12 Kg que agora. Era assim que eu queria ter ficado. E não admira que as pessoas digam que as fotos dessa altura são boas e que eu estava muito bem. Eu sei!
Mesmo assim estava a ser difícil olhar para mim (imagine-se agora!!!)
Nesse dia, há 1 ano, quando a festa acabou fui a lojas de roupa. Vesti um fato Ana Sousa, branco, lindo. Mas ficava-me largo. Já me olhei para o espelho do provador e fiquei aflita. Simplesmente não era eu que estava ali. Quando a funcionária disse que ia buscar o número 40 eu achei estranho e pensei “Não me serve!” Ah não, que não serviu. Era para o meu corpo, mas eu tive uma crise de pânico e fugi da loja. Ainda bem que não o comprei ou hoje ficava-me muito grande como alguma roupa que tenho do ano passado.
Levei dias sem conseguir olhar para mim ao espelho mas depois com a ajuda da minha psicóloga, ultrapassei.
Hoje tive de fazer o mesmo: chegar a casa e pedir que me tirem fotografias, olhar para elas, publicá-las no Facebook. Sou eu. Agora sou assim. Não me vou ocultar, não me vou esconder, só há um caminho e é para a frente. Não sei como mas é para a frente.
Depois, não emagrecemos (pelo menos eu não) harmoniosamente. A primeira coisa que perdi foi as coxas. A última, as mamas. E agora esta cara que eu olho e não gosto. E santa paciência: a nossa cara é a nossa identidade.
Já com a ansiedade não consigo sorrir normalmente porque não é o meu sorriso. Isto é complicado mas só tem um remédio: enfrentar. E enfrentar precisamente pensando que não se pode ter tudo, que depois alguma coisa recuperará. O meu cirurgião aqui em Ponta Delgada, quando falávamos de cirurgias plásticas (hoje não as quero fazer de modo nenhum, só farei as cirurgias que não puder evitar por motivos de saúde, que tenho um doutoramento honoris causa em cirurgia e outro em anestesia geral), avisou-me que não tocasse na cara porque esta viria muito abaixo mas depois recupera. Vou esperar por essa recuperação.
E pensar que não morro por isso. Ninguém morre por ficar mais feio. É aprender a viver com esta cara, estas expressões, este sorriso. E o sorriso, sim, custa-me muito ver. Nas fotografias depois de tudo, há algo que noto: o sorriso está mas a alma inocente que eu tinha, perdeu-se. Há sempre um véu de dor ou de espanto, sei lá, que eu não tinha.
De resto, esta semana que passou começou a ser normal depois de eu voltar ao trabalho. Não me ponham sem trabalho, por favor. Já estava a bater mal de todo no Algarve, no último dia fiz análises pois tinha que fazer algumas por causa da absorção de cálcio e pedi outras já que me esquecera que em março de 2015 tinha a ferritina 3 vezes mais elevada do que o normal e me foi dito que devia repetir em 6 meses. Sou seguida no Hospital em várias especialidades mas falta uma que congregue tudo e esta informação perdeu-se. Eu mesma me esqueci e o meu médico de família não tinha essa informação porque então foi de análises de neurologia no estudo das causas da neuropatia periférica. De modo que no Algarve me recordei porque tive tempo para pensar (o que em mim pode ser complicado) e uma amiga me contava a sua situação de saúde com a ferritina elevada. Fiquei logo a bater mal. Muito mal. Mas afinal, feitas as análises, estavam todas bem. Apenas plaquetas um pouco baixas bem como os leucócitos mas eu tinha apanhado um bocado de sol e desde há anos que me sucede, principalmente os leucócitos, por causa do lúpus.

De modo que o que eu preciso é trabalho. É uma grande bênção!

sábado, 11 de junho de 2016

Entaladíssima. Ou melhor, impacto alimentar. Ou uma visita ao Hospital de Faro



Ontem tive mais uma experiência destas que eu continuo a ter esperança de pararem um dia. Que eu possa ter estabilidade sem nunca saber quando vou visitar um hospital. E que me confirmam que a viajar é para onde hajam cuidados de saúde de segurança. De modo que alguns países terão de esperar não só por melhoria financeira mas que a minha saúde pregue menos sustos.
Chegámos a casa da minha prima-irmã (só não é filha do mesmo pai e da mesma mãe, mas é mais velha do que eu 7 anos e meio, quando eu nasci já vivia na nossa casa pois veio com 18 meses, de modo que a Liliana é irmã de coração e criação) perto da meia-noite. Levámos mais de 1 hora entre o Areeiro e a Ponte Vasco da Gama. Em casa daa minha prima come-se divinamente. Havia uma canjinha a que eu não resisti. Ainda olhei para o pedaço de perna de frango caseira e sabia que o tinha de mastigar bem. Mas com o dessossego de falar (bem que somos ensinados a não falar com comida na boca!) com a Liliana e a minha mãe, escorregou-me pela garganta abaixo. Senti que estava entalada. Não me afligi demasiado mas fui fazer as manobras de vómito. Não saiu. Pelas 2 da manhã fui deitar-me e acabei por adormecer pois estava cansadíssima. Acordei e continuava entalada. O Jorge ainda tentou que eu comesse a papa de fruta do pequeno-almoço mas vinha tudo para fora. A água também vinha para fora. O meu cirurgião em Ponta Delgada já me tinha dito que quando isso suceder devo beber Coca-Cola. Mas eu não queria porque há 1 mês sucedeu-me e a bebida esfolou-me a garganta toda, acabei afónica e com uma faringite. O Jorge disse-me para fazermos Reiki. Eu estava muito ansiosa e ele falar-me nisto agora fez-me chorar. Ele é praticante de modo que o fizemos os dois. Adormeci de novo. Mas quando acordei lá estava. Tinha que ir á Coca Cola. Tudo o que tentei beber saía. Desta vez conseguia engolir a saliva; às vezes nem isso. O efeito da Coca Cola é horrível, sinto-me afogar. Mas não resolveu. Estava com muito receio de ir ao hospital. O que se ouve dos algarvios nem sempre é muito bom. Mas sabia que assim acabaria por desidratar. Na minha mente tentava pensar como resolveriam o assunto. Não fui procurar na internet, penso que nem sei como o devia fazer. Então, pelas 17 horas, decidi ir. A Liliana acompanhou-nos. Fomos para Portimão. A triagem foi rápida com uma enfermeira atenciosa. A administrativa é que me pôs de pé atrás com a sua “simpatia”. A indicação era que a pulseira amarela demorava 30 minutos. Esperámos 1h10m e acho que entrei porque a minha prima se meteu pelo serviço dentro e reclamou. Entraram pessoas que estavam atrás de mim e eu já estava a perder o pio que é a minha primeira fase de ansiedade. Fico calada. Reparava em tudo á minha volta e já sabia que não há gastroenterologista nesse hospital. A recordação que tinha do Hospital do Barlavento Algarvio não era essa e estava a sentir-me insegura, inquieta para sair dali e ir para Lisboa. Ao menos tinha por onde escolher.
Depois da minha prima ter reclamado saltou-me a tampa porque lhe disseram que já tinham chamado e nós não ouvimos. Pois se não se ouve! Mas estávamos em frente à porta. E não, não tinham chamado. Quando cheguei perto do médico respondi-lhe meio torto. O médico é Argentino, Dr. Abel (não me recordo do último nome) e foi adequadíssimo no seu trato comigo. Tanto que me acalmou imediatamente. Mais tarde perguntar-me-ia como me tinha acalmado tão rapidamente e eu respondi-lhe:
- Porque o senhor sabe falar com as pessoas e vejo que também sabe o que está a fazer.
Ele perguntou-me se isto já me tinha acontecido antes e se tinha bebido algo com gás.
Palpou-me o abdómen, disse que a vesícula estava muito bem mas havia sinais de defesa no epigastro. Perguntou se tínhamos meio de deslocação porque para as ambulâncias estava caótico e a gastroenterologia só funciona até às 21 horas. Eu pedi a sua opinião quanto a ir para Faro ou para Lisboa. Ele disse que ficaria ao meu critério mas que em Faro seria bem atendida e perguntou-me se eu queria que ele falasse com o gstroenterologista de serviço aí. Sim, eu quis. Ele telefonou na minha presença, explicou a situação e depois passou uma carta para entregar no SU de Faro. Ainda lhe perguntei se seria com anestesia e ele disse que sim, que ninguém tem que sofrer nos dias de hoje. Para o Jorge uma endoscopia é feita com a maior facilidade. Eu continuo a achar um horror. De modo que seguimos para o Hospital de Faro eu antecipando o alívio da situação e sem as agonias que a entubação me faz.
Em Faro foi tudo rapidíssimo, entrar, admissão, triagem e chegar ao serviço de endoscopia.
O médico, Dr. Bruno Peixe, logo me agradou no seu trato e explicou-me que se tentaria sem anestesia. Fiquei apreensiva, mas o que fazer?
Não conseguiu. Apesar de muito calmo, extremamente humano dizia-me “Vamos querida, para não termos de anestesiar.” Ainda viu que havia “impacto”, assim se chama, eu não sabia. Ou seja, um pedaço de comida no final do esófago.
Da assistente operacional nada a dizer e a enfermeira, Telma Sebinha, simplesmente uma profissional extremamente humana. Agora divido assim: enfermeiros que me honrariam em ser meus alunos e os que me envergonhariam. Claro que está no primeiro grupo.
Chamado o anestesista, chegou em menos de nada. Entretanto o gastro explicava-me que isto sucede em gastrectomizados mas também em pessoas normais, nestas especialmente com ossos e espinhas. Confirmou comigo se a carne não tinha osso. E explicou-me algo que eu também não sabia: sucedendo, é vomitar para expelir, não resolve, bebida com anidrido carbónico, não resolve, hospital, pois é uma situação mais urgente do que uma hemorragia pelo risco de necrose. Eu já estava assim há mais de 18 horas. Tanto que ele me priorizou relativamente a outro doente. Deus pôs as mãos. Ou o Reiki. Ou algo. Ou simplesmente também me acontecem coisas boas.
A enfermeira tentou puncionar veia no sangradouro direito. As minhas veias não ajudam ninguém porque além de nunca terem sido boas, estão muito calcificadas por tanto terem sido puncionadas, ainda que tenham melhorado bastante com a natação. Conseguiu no sangradouro esquerdo. O garrote também é dos de borracha mas com uma enfermeira assim, ela podia ter apertado de modo diferente ou picado mais vezes porque o desconforto físico é extremamente atenuado se for por uma pessoa que nos trata como seres humanos. E isto eu quero que os meus estudantes o saibam. E todos os profissionais. Sinto-me na obrigação de explicar isto aos enfermeiros para os quais eu contribuo na sua formação. É a relação humana que estabelecem com as pessoas que fará toda a diferença para estas enfrentarem o que quer que tenham de enfrentar.
O anestesista, Dr. Alexandre Buketov, muito simpático, humano e carinhoso também.
Ainda vi a grande seringa de Propofol, o anestesista disse-me “até já, Ana Paula” (Acho que todos dizem) e lá fui eu, primeiro sentindo a cara aquecida e a picar (não me recordo de esta sensação de outras vezes) e depois apagar, mas não é incómodo. Tento sempre nesse momento pensar em alguém que amo muito. Ou numa situação muito boa. Na primeira intervenção cirúrgica o meu grande medo era a anestesia. E tinha planeado o momento de indução. Desta vez foi Nossa Senhora de Fátima e a minha experiência mística de Fátima em abril que me veio à mente: “Não tenha medo, eu estou sempre contigo.”
Acordei com a assistente operacional a mostrar-me o pedaço de carne. Achei enorme mas tanto o médico como a enfermeira me disseram que já viram muito maiores. Soube que tenho uma ligeira, foi a palavra que o gastro usou, estenose (aperto) da anastomose (ligação entre duas partes anatómicas que originalmente não existia) esófago-jejunal (o esófago liga-se ao jejno, de modo artificial,feito em cirurgia), que é uma situação fácil de resolver por via endoscópica e no seu relatório aconselha, consoante as minhas queixas, ponderar dilatação.
Claro que os meus cuidados com a mastigação têm mesmo de ser redobrados para evitar outros episódios. Tinha-me sido explicado em Ponta Delgada que com o tempo diminuiriam. Este ano já me sucedeu 3 vezes, desta chegando a este ponto. Pela gastrectomia sim, diminuiria porque o duodeno se adapta. Mas neste caso a estenose, como complicação tardia, pode estar a atrapalhar. Seja como for, comer devagar, muito devagar (se não tiver tempo como sucede em épocas de muito trabalho, é melhor nem comer), mastigar muito bem (até os sólidos se tornarem líquidos) e ter os cuidados no caso de suceder.
Saio da situação anestésica bem. Só na primeira vez tinha muitas dores e foi o primeiro embate com a desumanidade dos enfermeiros do hospital de Lisboa pois a enfermeira desata a brigar comigo por ter dores “estas operações doem muito, o seu médico devia ter-lhe dito”. “Pois, não disse e agora? Posso ter um analgésico?”, perguntava-me a mim mesma. O que acabou por suceder, claro. Então eu não refilava e tinha acabado de despertar. Hoje não me calo. Não aturo falta de profissionalismo nem de humanidade seja de quem for. Quem não souber lidar com pessoas que vá trabalhar com computadores.
Mas não quero estragar a boa impressão do atendimento em Faro.
Fiquei um pouco deitada até quase terminar o soro, o médico a explicar-me coisas e simplesmente a conversar. Sem pressas. A enfermeira também a conversar comigo. Ela veio trazer-nos à porta exterior do hospital, eu na maior, acordada, bem-disposta, aliviadíssima por já não estar entalada (ou melhor, impactada) e por possuir instrumentos para lidar com a situação. Sabendo o que se passa a ansiedade diminui muito. Fiz questão de me despedir com beijinho e a cumprimentar pelos cuidados que me prestou.
Na alimentação, ontem só podiam ser líquidos, hoje é pastoso. Bebi caldo de frango e sumo, além de água, claro.

Nenhuma experiência em hospitais é algo que desejemos muito. Não desejamos nada, de verdade. Mas tudo o que me suceda que seja assim. Penso que nunca fui tão bem cuidada por uma equipa. Estão de parabéns e quero que isto se saiba.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Enfrentando um dos maiores

Vila Franca de Xira (Hospital VFX, 9 de junho de 2016, 14h15m)

Nas últimas vezes que tenho vindo a Lisboa penso que um dia terá de ser, terei de enfrentar.
Hoje a viagem de avião durou menos 20 minutos e antes de ter a consulta logo à tarde e do Jorge ir ver a mãe que está internada, teria um pouco de tempo.
“Vamos ao Hospital (…)?” – desafiei-o.
O meu marido ficou a olhar para mim. “Tens a certeza?” – perguntou-me.
Mas o dia está com o céu azul, há algum ânimo e sim, quis ir.
Há coisas que é melhor atirar de cabeça. E hoje não senti o horror de sempre quando penso que quero voltar a entrar ali.
Fomos levantar o automóvel de aluguer e… a caminho.
Chegando perto do CC Colombo, onde eu também nunca mais fui, já elas me saltavam dos olhos e me rolavam pela cara abaixo. Ainda que eu não quisesse e, principalmente, não queria que o Jorge percebesse. Preferi que ele estacionasse na entrada onde tantas vezes me deixou na cadeira de rodas pois eu ia fazer o penso diariamente. Hoje quis que ele ficasse no carro. Ele também não queria estacionar lá “Não me apetece dar mais dinheiro a ganhar àqueles.”, disse.
Contou-me depois que o segurança ficou a olhar para mim, devia ser de entrar a chorar.
O meu sentido de orientação é muito mauzinho. Imediatamente à direita fica o local onde fazias os pensos. Não me deu qualquer impressão. Segui pelo corredor em frente porque queria chegar à porta da Unidade de Cuidados Intensivos. Mas compreendi que não sei onde é. Fiquei num varandim que dá para um jardim e vi o refeitório e o bar lá em baixo. Sei que a UCI fica por ali mas não sei onde é. Vi o jardim onde um dia me autorizaram a ir. Era outono, eu estava há mais de 60 dias internada e queria tanto apanhar um pouco de ar. O médico deixou-me ir. Já só andava em cadeira de rodas e o Jorge levou-me. Mas nessa altura fiquei pouco tempo. Toda a gente vai fumar para ali e mesmo ao ar livre cheirava imenso a tabaco. Quis ir embora.
Hoje debrucei-me lá para baixo e fartei-me de chorar.
Voltei atrás e passei todo o corredor do Serviço de Atendimento Permanente por onde fui reinternada. E passei à porta da Imagiologia. Não era por ali que eu entrava, era por portas vindas do internamento, mas veio-me logo ao nariz o cheiro do produto de contraste que eu tinha de beber para fazer as TAC. Foram 17, na última fartei-me de vomitar; já não aguentava mais aquele sabor e nunca mais na vida quero cheirar anis. Claro que era imaginação minha eu sei que não cheira àquilo ali mas “senti” o fedor desse produto de contraste. O célebre cheiro que associo a este hospital é que não senti. De facto já não existe. Devem ter mudado de produtos de higiene. No meu último internamento os lençóis do acompanhante estavam rotos e os funcionários queixavam-se de que cada vez havia mais falta de material. Os chineses que compraram o hospital quando rebentou a Banca a que pertencia e que levou muita gente a ficar sem as suas economias (eu também fiquei e quem me der que tivesse sido como esses; não têm dinheiro mas não se lhes foi a saúde… pelo menos não de um modo direto, que não quero desvalorizar o sofrimento dessas pessoas, cada um sabe de si) pouco cuidado estavam a ter. Os garrotes eram daqueles de rolo de borracha, de que eu já não via desde o meu curso de enfermagem. Que têm uma técnica de amarrar e é por cima da roupa para magoar menos a pessoa. E alguns senhores enfermeiros nem os sabiam usar, ainda tentei ensinar a alguns. Um dia uma “querida” enfermeira amarrou-me o braço com umas ganas (tenho veias muito más) que me deixou o braço tão marcado que ainda hoje tenho a cicatriz. Foi quando me transferiram de Ponta Delgada para me tirarem a última prótese do estômago, eu já ia da Cirurgia III onde me trataram como a um ser humano. Estava mais desperta do que nos iniciais 71 dias e saiu-me um berro de dor e de raiva com essa enfermeira que se inclui no grande grupo das quase todas para esquecer e disse-lhe que saísse daquele quarto e nunca mais ali entrasse enquanto eu estivesse internada. Nunca mais o fez.
Saí e entrei no nosso carro. E chorei. Não sei dizer porquê. Apenas me vinha à mente que, quando fui transferida desse hospital para o de Ponta Delgada a 6 de fevereiro de 2015, na ambulância que me levava para o aeroporto, sentia alívio e pensava “Nunca mais tenho que entrar aqui”. E não tenho. Fui porque quis. E quero voltar. Penso que hoje chorei de alívio. Mas com muita dor à mistura. Ninguém me pergunte se estou consciente da causa dessa dor. Não sei. E talvez um pouco de pena de mim mesma (a minha psicóloga insiste que eu tenho de sentir pena de mim mesma… acho que ela vai gostar de saber). Quero voltar e ir a alguns serviços e, especialmente, olhar um determinado profissional de enfermagem olhos nos olhos dizendo-lhe tudo o que penso. Depois, então, consoante ele reaja, farei ou não queixa à Ordem dos Enfermeiros. Não é por aqui que quero ir. Porque não tenho força para me desgastar e sei que, especialmente, à parte médica é muito difícil ganhar em Portugal ainda que tenham existido erros muito grosseiros. Dos enfermeiros, eu quero pensar que se eu falar com eles, talvez parem e reflitam. Mas acima de tudo o que eu quero é que aquilo que eu passei mais ninguém passe. E nunca mais, alguns deles, tratem ninguém como me trataram. Do cirurgião do ponto de vista humano não tenho nada a dizer. Sempre me tratou muito bem. Até me dá pena porque há algo que penso dele: é boa pessoa.
Fomos ao Colombo, depois ver o meu sogro e depois a minha sogra.
A seguir tenho uma consulta médica neste périplo dos outros tentarem remediar o que não foi devidamente acautelado. Atenção candidatos a cirurgia bariátrica: é bom saberem que a absorção de cálcio será diferente e que o risco de osteoporose é muito elevado. Quase 100%. Então devemos fazer uma densitometria e ver como estão as coisas por aí para evitar males maiores. Nesse hospital ninguém se lembrou disso (não se lembraram da vitamina B 6 que já estava baixa antes de ser operada… nem de que eu fazia tratamento para situações crónicas e fiquei 25 dias sem medicação até o meu filho se lembrar de perguntar…). Verdade seja dita que em Ponta Delgada também ninguém se lembrou do risco de osteoporose – que, sinceramente, não é no internamento. Mas essa é outra história. E, de novo, eu não sabia. Ninguém nos informa, vamos descobrindo. Como diz este meu médico em Lisboa: uma cirurgia bariátrica não é só cortar o estômago. Não sei como será noutros países mas em Portugal, pelos vistos, é. Depois, há os que sabem tratar complicações e há os que se enrolam nelas até quase nos levarem à morte. Hoje lembrei-me dos médicos intensivistas desse hospital. De altíssima competência. O que é verdade tem que ser dito. Infelizmente, gostaria de dizer o mesmo do grupo profissional no qual tão orgulhosamente me formei e a que tenho pertencido. E não consigo. Não chegam a 5 enfermeiros, não me enche uma mão o número daqueles de quem eu teria gosto de ter sido professora. E isso dói imenso. Porém, quando entro neste raciocínio recordo que no IPO Porto, em Ponta Delgada, é o inverso. No Porto, uma enfermeira teve um comportamento menos adequado uma vez, no internamento e outra na consulta externa da oftalmologia. Em Ponta Delgada, uma enfermeira teve um minuto menos apropriado. Na altura fiquei sem fala. No dia a seguir tive uma conversa com ela. Não foi minha aluna, não se formou em Ponta Delgada. Mas não me importava que tivesse sido. É uma excelente enfermeira e um dia menos bom todos temos.


quarta-feira, 8 de junho de 2016

Um pedaço grande de mim

(Este texto foi publicado nas Notas do meu Facebook no mês de maio. Agora publico aqui porque se trata de um pedaço importante da minha vida)
Não sou pessoa de ter ídolos. Nunca fui, nem sequer na adolescência quando atrizes/atores, cantores e gente do mundo do espetáculo ocupam um lugar importante na nossa vida. Nem sequer, tão pouco, do ponto de vista familiar (fica sempre bem dizer que a mãe ou o pai é o nosso ídolo) ou profissional. No âmbito familiar a minha avó paterna ocupa um lugar de grande destaque e, agora que escrevo isto, talvez seja o único ídolo que se perpetua na minha vida. Na minha profissão, uma das áreas que mais valorizo, tendo imensas fontes de inspiração, quer por serem figuras centrais, reconhecidas em todo o mundo (desde a mitológica Florencce Nightingale ou aos inspiradores Carl Rogers e Jean Piaget aos modernos autores de enfermagem e de psicologia, passando por todos os intermédios como a minha teórica preferida, Jean Watson), quer por se configurarem como modelos do que é ser enfermeiro, e professor de enfermagem (e aqui sou rica, tendo recebido influência de muitas pessoais das quais não posso deixar de nomear aquelas em que um dia eu soube que queria ser também assim: Ana Paula Amaral; Sacha – Maria Saavedra de Bruges; Jesuína Varela; José Amendoeira; Isabel Estrela Rego; Ermelindo Peixoto), também não existe um ídolo. Não no conceito habitual de ídolo.
Dou um pequeno passo atrás e ao lado para retomar o que se configuram habitualmente como ídolos – pessoas distantes que admiramos como fazemos com o sol, mas que precisamente como o astro, estão demasiado longe e se nos aproximássemos queimar-nos-íamos – e reafirmo que nunca os tive. Sempre gostei de música. Do que oiço contar, desde bebé. É algo familiar, havendo histórias de, ainda em criança, haver quem se ajoelhasse perto do rádio para ouvir alguma canção enquanto chorava. Não fui eu! Efetivamente fui uma criança durona. Como testemunha a minha família que um dia já foi grande, em criança sentava-se avó, pais, tios, primos, em meu redor, e eu cantava. Não me recordo bem o quê mas sei que a Amália Rodrigues e a Maria de Lourdes Rezende estavam no repertório. Recordo que o “Fado do Cacilheiro” era obrigatório. E a música clássica fez sempre parte da família.
Na puberdade entram de repente (como quase tudo na puberdade) várias canções e cantores: Simone de Oliveira com “A Desfolhada” e, para mim, o ainda melhor, “Sol de Inverno”; Green Windows; Gemini; Cocktail; Doce; Paulo de Carvalho. Penso que estes eram os principais. Do estrangeiro, imensos. Num país em que, essencialmente, só se ouvia música anglófona, ter fixado os portugueses acima já foi alguma coisa… E também chegou Edith Piaf, Joe Dassin, Charles Aznavour e Art Sullivan. De língua inglesa vieram todos os outros, impossíveis de enumerar aqui. Dos quais, estranhamente, não constam os Beatles (ainda que posteriormente tenha gostado muito de Paul MacCartney – a este devo o meu primeiro casamento, salvo seja, e é outra história – e de John Lennon) E de Espanha apenas um: Camilo Sesto.
Era na sala da minha casa, mais tarde também na garagem, que eu com algumas amigas muito selecionadas (para ter permissão de entrar na minha casa era mais difícil do que no Palácio de Belém ou na própria Base Aérea nº 4 e que não nomeio porque não sei se gostarão mas se lerem isto, saberão que me refiro a elas) nos juntávamos para ouvir as canções e falarmos daquelas coisas que as meninas com as hormonas aos saltos falam. Uma dessas amigas, já eu era mais entrada nos “teen” vinha a minha casa e dizia-me “Paula, canta-me os ABBA”. Nunca me pediram para cantar em francês ou em espanhol. Talvez por isso eu nunca tenha aprendido esses idiomas. Quero dizer, o espanhol estou agora a aprender por motivos muito fortes. Mas a par de ótimos professores, em conjugação com um ouvido treinado na televisão americana, o de berço “Channel 8” da Base das Lajes, os ABBA foram uma forma muito boa de aprender inglês.
Destas vivências formulo o meu TOP TOP TOP, que atualmente eu refiro como TOP 5 e que significa que eu gostava de todas as suas canções conhecidas. Com sinceridade, não são todas. Mesmo dos que ocupam os dois primeiros lugares (e são 2 em ex aequo), há duas canções, uma de cada, de que não gosto. Mesmo nada. E dos que ocupam as posições seguintes há algumas que não me agradam. Mas são o meu TOP porque gosto de quase todas, mesmo quase todas.
Meu TOP 5
1 – ABBA/Camilo Sesto
2 – Bee Gees
3 – Lionel Richie
4 – Cliff Richard
5 - Donna Summer
Assim, este TOP é constituído por cantores de língua inglesa. Apenas Camilo Sesto não o é ainda que cante (muito e bem em inglês, além de o fazer também em português – do Brasil -, italiano, francês e alemão).
Mas nenhum foi meu ídolo. Dos ABBA a minha preferência foi sempre Agnetha Fältskog pela linda voz e ar angelical. O grupo terminou quando ainda eram muito escassas as publicações em Portugal sobre o mundo das canções. Penso que terei sabido que os ABBA já não existiam talvez meses depois disso suceder e foi um desgosto muito, muito grande. É já no mundo da internet que descubro muitos anos depois (e há muitos atrás) de que uma das razões de rutura foi precisamente Agnetha. Hoje tenho todos os livros que pude encontrar dela e do grupo e entendo perfeitamente as suas razões. Serão sempre os meus ABBA e ela a angelical “golden hair girl”.
Camilo Sesto. Camilo é outra história.
Chega à minha vida como, possivelmente à de todos os portugueses com “Quieres ser mi amante?” Para uma miúda de 12 anos é um título forte. Na minha cabeça “amante” queria dizer simplesmente namorada. À boa moda dos Açores não me passava pela cabeça que ele se referisse ao estado de “ser ameigado”. Na minha casa isso era inconcebível. No meio das frases que eu apenas intuía pela proximidade entre o meu idioma e o do artista, quando eu acabava de viver um amor de Verão que estava a mais de 1000 Km de distância, “ni estando lejos te olvido”, era a minha frase. Estávamos em 1976 (a canção é bastante anterior mas talvez as coisas chegassem a nado aos Açores…) e eu tinha acabado de fazer 12 anos.
Posteriormente chega a Portugal as outras duas canções que eu penso que, depois desta, tenham sido mais conhecidas por cá, “Melina” e “Algo Mais”. Infelizmente para nós Camilo Sesto nunca esteve em Portugal. Durante a sua fulgurante carreira fazia-se acompanhar pela sua banda, Alcatraz, que com mais de 40 músicos, pode ter complicado contratos e acordos de custos com o nosso país (afinal eram todos profissionais a quem havia que pagar salários). Enquanto o seu nome ficou bem estabelecido noutros países europeus além de Espanha, nas Américas e no Japão, nós não tivemos o privilégio de o ter nunca em palco. No Brasil, sim, esteve, nomeadamente no Festival da OTI em 1973.
Segui a sua carreira até 1983 ou 1984 quando a minha entrada na Escola de Enfermagem e depois no mundo profissional (entre outras razões) me afastam muito destas preferências, o que basicamente coincide com a retirada do artista após o nascimento do seu filho numa opção de se tornar pai a tempo integral.
Mas Camilo Sesto não foi também meu ídolo.
Houve uma tentativa de ter um poster dele nas paredes do meu quarto como tinha de outros artistas. Mas foi-me mais ou menos comunicado de modo mais ou menos formal que não era permitido “aquele” poster ali. Se eu o publicasse aqui compreender-se-ia porquê. Numa família tradicional em que todos eram anjos (não por bondade mas por não ter sexo), um poster assim nas paredes era meio caminho andado para a perdição. Eu teria de redescobrir Camilo Sesto depois dos 40 anos para descobrir qual era o problema do póster. Ó santa inocência!!!!
O seu nome “Sesto” sempre me soou algo estranho. Não necessariamente desagradável. Eu gostava demasiado de tudo o que cantava (menos uma canção!) para que o nome me desagradasse. Mas era estranho. Porém, num mundo onde existiam grupos chamados “Doce”, “Cocktail” e por aí fora, “Sesto” era só uma forma aproximada de um numeral.
Reitero. Camilo Sesto não foi nunca um ídolo para mim.
Eu era sua fã, iniciei um clube de fãs, tanto quanto sei, o único português, na “Crónica Feminina”. Era outra mania minha. Quando não havia redes sociais eu tinha um clube de fãs de um cantor espanhol e um clube de correspondência. Tudo publicado na Crónica Feminina. Pergunto-me se ainda existirão amizades feitas nesse clube ou até casamentos. Cheguei a ter de escrever mais de 100 cartas por semana para todo o mundo. Houvesse dinheiro para o correio. Mas esta também é outra história.
Quando me dou oportunidade de a música voltar á minha vida, redescubro Camilo Sesto (estranhamente - ou não - os Bee Gees e os ABBA nunca se afastaram). Sei do seu projeto “O Fantasma da Ópera”, sigo o lançamento dos seus últimos CDs, nomeadamente “Alma”, “Número 1” e “Todo de Mí”, sonho em ir a Viña del Mar em 2004, quando arrasou literalmente o júri e os espetadores arrecadando todos os prémios possíveis mas, é quando anuncia a sua retirada e a sua última presença em palco em Espanha em 2010, que levo o susto de compreender que nunca o veria pessoalmente nem assistiria a um concerto seu. Foi um desgosto. Grande. Como quando os ABBA se retiraram. Mas num mundo mais pequeno e global como o atual não fazia sentido. Todavia, não pode mesmo ser.
Entretanto, o clube de fãs tinha sido recuperado, graças ao Facebook (pode ter muita coisa má mas tem também do melhor deste mundo). Sinceramente não sei se sucedeu em Maio. Porém, por algumas, outras e boas razões, associo este mês a Camilo. E pelos vistos não sou só eu pois o dia 28 de Maio é o Dia de Camilo Sesto no Estado do Nevada, EUA. E talvez, como Camilista, ainda se seja muito feliz em meses de Maio…
É em Maio que eu tenho o meu primeiro ídolo. Mas não é Camilo Sesto.
Camilo Sesto é o nome artístico de Camilo Blanes Cortés.
Qualquer simples busca no Google ou outro motor de busca que eu não recebo nada pela publicidade, mostra quem é (já agora no grupo  Camilo Sesto - Fãs de Língua Portuguesa também): cantor, compositor, letrista, poeta, ator, tradutor, pintor, produtor – e muitos “ores” mais. A sua interpretação do papel de Jesus em Jesus Cristo SuperStar é lendária e alvo de estudos especializados. O estrondoso número de êxitos e de canções que figuram em primeiro lugar dos TOP em diferentes países também se encontra facilmente. Tudo o que houver de mais honroso e público sobre Camilo Sesto está aí em todas as fontes possíveis e imaginárias. É só procurar. Desse sou fã.
O meu ídolo é Camilo Blanes (para evitar enganos de interpretação, explico: o pai. Em Espanha e nos países hispânicos, o nome paterno é o primeiro a seguir ao nome próprio – o inverso de Portugal, dos países lusófonos e dos demais países ocidentais – e clarifico, o pai, porque o seu filho é seu homónimo, ainda que no caso deste, seja igualmente o nome artístico). Perguntar-se-á “Mas Camilo Sesto e Camilo Blanes não são a mesma pessoa?” e eu respondo: sim e não. Não vou explicar. Só afirmo que o meu ídolo é Camilo Blanes [Cortés].
É em Maio de 2014 que tenho a oportunidade de o conhecer em carne e osso. De vê-lo à minha frente em palco, ainda que esse palco seja o plateau de uma televisão. É público e o que é público eu posso dizer (o que não é, morrerá comigo – afinal já há gente demais que por um espirro afirma essencialmente que dormiu ou dorme debaixo da cama de Camilo). Vê-lo entrar foi algo surreal. Camilo mede 1.86m mas a perceção que eu tive foi de ver entrar um gigante (que o é artística e metaforicamente). Literalmente. Mal sabia eu que confirmaria que o é também do ponto de vista humano – El Blanes.
E foi pela sua dimensão humana, “El Blanes”, que se tornou meu ídolo. Como o são as pessoas que fazem o favor de ser minhas amigas e de permitirem que eu seja delas. Tudo começou no mês de Maio; a ida à televisão (estranhamente não me recordo nem tenho registado o dia do programa – se alguém souber, diga-mo por favor que eu agradeço – os acontecimentos exultantes não têm historia e, depois, atrapalhamo-nos e esquecemos datas) e uma das notícias com mais impacto na minha vida (esta a 12). Posteriormente, com a situação de saúde que me assolou e em que a morte espreitou diversas vezes, mais ainda esta posição se firmou para mim. Foi Deus onde está, o meu cirurgião em Ponta Delgada em conjunto com a equipa de enfermagem do serviço de Cirurgia III do HDES que me salvaram a vida. E, sem dúvida, a minha família (agora pequenina, o meu marido, o meu filho mais novo, a minha mãe e os meus primos, Liliana e Jorge), Camilo Blanes – que passou a ser oficialmente o Meu Anjo Azul - e os meus amigos de coração, portugueses e estrangeiros. Estes foram quem me salvaram e deram vida (é uma redundância mas hoje quero-a).

Deste modo, o mês de Maio é para mim o mês do meu ídolo. Além de continuar a ser, como tem sido, desde que está na minha vida, o do meu marido, por ser o mês do seu aniversário. Sorrio enquanto imagino a pergunta de quem me lê e que com alguma frequência me fazem “E ele [ou o Jorge; ou o teu marido; ou o seu marido] não tem ciúmes?” E pela primeira vez eu respondo em público o que tenho respondido a quem me faz a sacramental pergunta: “Não. O meu marido é muito inteligente. Se tivesse ciúmes ficava com dois problemas.” E efetivamente o meu marido é demasiado inteligente (cognitiva e emocionalmente) para ter ciúmes do meu ídolo. Não foi por acaso que só do 3º marido eu aceitei o apelido. O Jorge é “El Amor de Mi Vida”, a pessoa que me dá a estabilidade de que eu necessito. Ou seja, a maior riqueza que eu posso ter, porque a minha veia de inquietação e de loucura (de “fresa salvaje”) necessita assim deste porto seguro (não é coincidência que tenha sido a primeira cidade que conhecemos no Brasil). Mais do que de qualquer outro tipo de riqueza. Com isto e saúde eu sou feliz. No mês de Maio. E em todo o ano.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

E (quase) Tudo a Luz Levou

7:00
Há 15 meses que 2ª feira é dia de pesagem.
Por todas as razões e mais algumas eu tinha indicação de me pesar semanalmente. Ficou o hábito.
Antes da cirurgia bariátrica, imediatamente antes, eu cheguei aos 128 Kg.
Em maio de 2014 tinha 124, fui á consulta e marquei a cirurgia. Em julho fui aos Estados Unidos e em agosto a Maiorca. E despedi-me da comida. Muitos obesos antes desta cirurgia fazem este disparate e eu também fiz. E nas vésperas de ser operada tinha chegado aos 128. Também para um obeso mórbido o que são 4, 5 ou mesmo 10 Kg de diferença? Nada. Ninguém dá por isso e nós tentamos também não dar. Na verdade, chega a um ponto que nos deixamos de pesar. Não queremos saber. Por exemplo, na minha cabeça e tanto quanto sei não me pesara depois dos 115 Kg.
Eu escrevi que me despedi da comida mas clarifico: eu não comia grandes quantidades. Comia era muita porcaria (sim, eu sei que algumas pessoas ficam admiradas com o termo). Porcaria do ponto de vista nutritivo. O pior eram os doces, jejuns até às 4 da tarde, algum aperitivo. Bebidas gasosas (continuo a adorar Coca-Cola mas só pensar em bebê-la me agonia) já tinha deixado de consumir há muito tempo. Mas nesse Verão de 2014 bebi, fui à Chessecake Factory, deliciei-me com cupcakes. Isto nos States. Também abusava de aperitivos, principalmente os Cheese Rolls, amendoins, cajus. Tudo com poucas calorias!!!
O certo é que depois da alta a 27 de fevereiro de 2015 passei a pesar-me semanalmente à 2ª feira. Em termos de peso, o meu objetivo era chegar aos 75 Kg. Com tudo o que sucedeu a queda foi livre. Depois a diminuição de peso parou um pouco porque a alimentação parentérica tem mais calorias que a normal, e depois da alta veio de novo em queda livre. Com o problema de litíase biliar diagnosticada depois de várias crises que me fizeram desmaiar pensando-se que era síndrome de Dumping mas afinal é cólica biliar (li que é a 2ª dor mais intensa, de facto é brutal), faço uma alimentação hipolipídica. Não como nada que tenha gordura, nem sequer um ovo, de que tenho imensas saudades. Nem sequer queijo fresco. Além de intolerante à lactose, bebendo leite 0% de lactose e 0%de gordura sinto-me mal (alguma coisa deve ter se não era água). De modo que tenho de puxar imenso pela criatividade para comer e cheguei aos 60 Kg. Aí disse á nutricionista e ela concordou que não quero perder mais peso. Faço suplemento de proteínas e se viesse abaixo dos 60 era para fazer outros. Mas parou. Desde há meses que oscila entre os 61 (se vem abaixo disso fico aflita) e os 63 (se sobe, também fico aflita). Cerca de 30% das pessoas submetidas a cirurgia bariátrica volta a engordar. Isso horroriza-me. Depois de tudo era a estupidez total. Mas penso que não porque uma coisa é uma luta inglória contra dezenas de quilos que por mais que se faça não se veem resultados, se desanima, se retomam os hábitos alimentares e se volta a ganhar todo o peso perdido e mais algum. Outra é atingido um peso como o que tenho, se por acaso subir além dos 65, travar a fundo. É o que eu penso, mas tenho medo de voltar a engordar. Parece que todos os bariátricos têm. Ou quase todos.
Hoje tenho 61.800. Está dentro do que quero. Tenho comido mais pão. Eu que não apreciava pão. Como com banana, a fruta que melhor tolero. É um dos meus snacks. Por indicação da nutricionista necessito de hidratos de carbono às refeições. As quantidades é que são mínimas porque não há onde arrumar. Nunca me senti mal por comer demais, o que costuma suceder a alguns gastrectomizados. Entalar-me com a comida sim, porque se não é bem mastigada não passa o Y de Roux, a técnica usada na gastrectomia total e no bypass. E é horrível porque nem se consegue respirar. Tem de se vomitar e já tive duas ou três crises que duraram horas. Geralmente resolvem-se vomitando o que ainda é possível de vomitar. Porque ultrapassando aquela primeira parte do duodeno já não se consegue. Pelo menos eu não consigo.
Há muitos alimentos que os bariátricos deixam de tolerar. Eu fui tolerando quase todos. O que me impede é a vesícula e não o facto de não ter estômago. Carne mais rija é que não vai mesmo. Bacalhau tolero, mas tem de ser pouco o que não cobre as proteínas de que necessito e então não privilegio. Arroz também já vou tolerando pois é dos alimentos mais difíceis de tolerar. Isto porque preciso sentir bem a comida na boca para a mastigar bem. O arroz escapa-se, chega ao duodeno faz tampão e uma pessoa fica entalada. Já me entalei com tudo e mais alguma coisa mas com o tempo a primeira parte do duodeno cria uma bolsinha e deixa de suceder tanto.
O maior entalanço que tive foi nos primeiros dias em casa ao tomar o Centrum. Aquilo é uma bala de canhão. Parecia-me que morria. Hoje trituro-a.
Também bife de vaca já me fez um entalanço grande, de horas. E muito mais se não mastigar muito bem.
A primeira cólica biliar foi com cerejas. A fruta que mais gosto e que agora, até fazer colicistectomia e recuperar, devo ficar com uma cerejinha só e olha lá. Depois já fiz com melão e tudo o mais que se possa imaginar. A vesícula é muito caprichosa. Depois de se descobrir o que é e de fazer dieta adequada, tive poucas crises. Mas outras dores e indisposições andam por aqui. Ainda ontem bebi água e começou uma forte dor abdominal. Como há suspeita de brida e de já ter feito uma semi oclusão intestinal, fico apreensiva, sei que posso ter de ser operada de urgência e fico quieta, à espera de ver a evolução. As bridas são aderências intestinais e com tanto que os meus foram mexidos, é muito natural (o admirar seria que não tivesse). No hospital de Lisboa (recuso dizer o nome) fui operada 4 vezes. Mais a gastrectomia total aqui. Uma única cirurgia abdominal tende a fazer estas situações- artigos há que apontam para a possibilidade de mais de 99% numa cirurgia abdominal. No meu caso é só multiplicar por “n”.
Também hoje saí cedo da cama. Muito cedo. Tenho um dia muito cheio incluindo ir ao Banco. O hospital privado levou-me mais de 25 mil euros. Ou seja, as minhas economias e o que eu não tinha. Um dia falarei das repercussões económicas de toda esta aventura de um hospital privado. Se não fosse tudo o resto só por isso já desaconselhava. Porque se as coisas dão para o torto, as contas podem levar-nos para onde nunca imaginávamos. Vai o couro e o cabelo. No meu caso, foi literal. E ainda mais. Um dia falarei também desta parte. Se eu puder ajudar as pessoas a tratarem-se bem em hospitais públicos e a não pagarem para serem maltratadas, já haverá algum sentido no que sucedeu. Porque o atendimento em nada é melhor, bem pelo contrário. E paga-se a diária ao preço de um hotel de 5 estrelas, além de que, a cama da unidade de cuidados intensivos e tudo o que ali sucede não é comparticipado. Além de que, desconfio com bases, muitas opções de tratamento baseiam-se nos ganhos monetários e não no que a ciência indica. Num exemplo, e noutro hospital privado, esse no Porto. Fui a uma consulta de ginecologia porque o meu marido estava em tratamento e tinha passado a altura de fazer o meu check up anual. A médica pediu-me o normal numa consulta de rotina de ginecologia, TAC abdominal e mais não sei o quê. Fiz o que era de ginecologia e mais nada. Conheço pessoas que relatam situações idênticas.
Mas aspetos básicos necessários, isso falhou – como manter a minha medicação de rotina ou verificar o que se passava com a minha vitamina B6 que estava baixa já antes de ser operada. Estes lapsos podem estar na base da neuropatia periférica que me atormenta diariamente, em conjugação coma falta de exercícios pois estava acamada e vi uma fisioterapeuta uma vez.
19:30
Foi um dia de corre corre mas de muito agrado. Sempre que estou com os meus estudantes, principalmente em ensino clínico, ainda que muito cansada, o ânimo é logo outro.
De modo que estou com a língua de fora, colocando o máximo possível em dia, qui a pouco tenho que me deitar para ainda ler pois não durmo sem ler pelo menos uma página.
Amanhã é um dia com várias frentes, daqueles em que tenho que ir comendo pelo caminho, o que se torna mais cansativo.

Mas o bom é que é outro dia.

domingo, 5 de junho de 2016

E se o Homem é que inventou Deus?

Como quase todos os dias, acordei angustiada.
Tendo muito que fazer, não me sobra tempo para angústias. Pode parecer que é bom, eu também acho. E é. Mas um dia vem e sai pelas costuras.
Hoje não foi exceção. É Domingo mas tenho que atualizar coisas da Direção de curso e de ensino clínico.
Mas chega ao momento de ir á missa e não quero faltar. Vou quando me apetece mas geralmente quero ir e sinto-me bem. Para além de vivências espirituais eu tenho necessidade de ter também religiosas.
Nos caminhos desta vida vagueei entre o catolicismo por tradição e obrigação, como, creio, quase todos os portugueses. Os meus pais mandavam-me à catequese e à missa e eu ia. Fui batizada porque eles decidiram por mim. Quando pude escolher, decidi, depois de observar, estudar, rondar, ser Mórmon (eles preferem que se diga membro de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos últimos Dias). E vivi com fé e intensidade como vivo tudo. Foram muitos anos, porque o que faço ou faço com crença e paixão ou não faço.
No mormonismo tive a oportunidade de estudar as Escrituras, coisa que no catolicismo não tive e acho que se continua a não fazer. Desde pequenina o Novo Testamento fascina-me.
Quando o mormonismo deixou de me fazer sentido, levei muito tempo a decidir sair. Mas saí mesmo. Não “deixei de ser ativa”. Ou seja, sou uma apóstata para eles.
Hoje guardo o bem que trouxe de lá. Tenho saudades de algumas vivências e tento guardar o que havia de bom, que há, e não me debruçar no que não há (e há muito também). Levei tempo e dor a chegar aqui mas cheguei.
Nos momentos difíceis, de saúde do meu marido e minha, foi no catolicismo que encontrei conforto. Hoje sou católica praticante, vicentina, tento participar. Para mim uma religião não é contemplativa; implica ação e gostava que fosse mais, mas de facto, aqui comparando as duas religiões, o mormonismo é mais de grupo, de sentido de comunidade e de serviço. Dá-me impressão que se vá à missa se cumprimente, principalmente por obrigação, quando o padre diz “saudai-vos na Paz de Cristo” (é a parte que menos gosto da missa porque lhe vejo contradição e não gosto de fazer nada obrigada), mas mal se cumprimentam e se olham quando acaba tudo. A vivência de irmandade ou até de comunidade é muito deficitária. Mesmo se nos implicamos em atividades, as pessoas não convivem nem se conhecem.
Decidi, porque felizmente nos dias de hoje se pode fazer, que a minha paroquia seja Nossa Senhora de Fátima. Vim “por acaso” e decidi ficar porque os padres, com bastante idade, têm um arejamento de cabeça que muitos jovens de 30 anos não têm. Não são eruditos mas usam a voz do coração. Têm o dom de tocar no meu coração com as suas palavras simples. Nunca fui devota de Nossa Sra. de Fátima. Há coisas de que duvido. Mas no Encontro de Vicentinos em abril em Fátima tive uma experiência maravilhosa. Um dia talvez aprofunde aqui as minhas experiências espirituais e místicas. Por agora digo que o meu caminho de regresso à vida espiritual está a ser feito lentamente e com dificuldade. Quando saí de coma pensei que estava a sair da anestesia. Era igual. Há quem passe em tuneis e veja muitas coisas. Eu apaguei e depois acordei. Mais nada. Se a morte é isto não há nada depois. O que custa a aceitar porque então a vida não faz sentido. Com o que me sucedeu nos meses subsequentes fiquei apática. Ainda não encontro sentido espiritual para o que sucedeu. Se calhar não tem, mas o ser humano tenta sempre atribuir sentido. Faz parte da nossa condição. Por isso, talvez o Homem tenha inventado Deus.





Ideia que me é sumamente desconfortável. Eu era Mórmon quando estudei Nietzsche. Odiei!!!! Mas, quando estou na missa, oiço o Evangelho, a homilia, os cânticos, sinto inspiração e ternura, e um toque profundo de esperança de que afinal há ALGUÉM que nos ama e cuida de nós.
No hospital de PD tive necessidade de apoio espiritual, de falar com um padre. Tive a sorte (!) de vir o padre de São Roque. E o meu caminho de regresso começou a fazer-se. Muito lentamente. Mas sei que nestas coisas não pode haver pressa. Aliás, aprendi que tudo tem o seu ritmo. Nas muitas semanas hospitalizada, com alimentação parentérica não podia tomar nada pela boca, portanto, não podia comungar. E fui-me preparando para o fazer. Ainda o consegui antes da alta.
Quando comecei a andar depois da alta comecei a ir à missa na igreja onde se venera o Sr. Santo Cristo dos Milagres de que sou devota desde pequenina. Tinha de ficar atrás e subir a rampa. Eu não tinha força nenhuma nas pernas nem conseguia subir um degrau, ía cedo. Fui a algumas igrejas mas tinham de ter rampa. Por isso nunca fui a São Roque. Gostaria de ver o padre que me marcou no internamento, mas se a igreja tem rampa eu nunca a encontrei. Fui a várias para verificar onde me sentia melhor. Vim parar a Nossa Senhora de Fátima “por caso”. Sai 5 minutos atrasada de casa para a missa na igreja da Esperança e não chego atrasada á missa. Então, a que ainda havia era em Nossa Senhora de Fátima. Senti-me logo bem, e fiquei pelas razões que já expliquei. O acesso também era fácil. No inicio não me podia ajoelhar, depois fui fazendo por isso e levantar com a perna esquerda que é a que ficou mais fraca, até que hoje é quase normal.
Na missa sigo tudo com o meu missal e escrevo num caderninho de apontamentos os meus pensamentos, as palavras dos sacerdotes que me tocam. Algumas pessoas olham-me admirada. Inclusive crianças. Devem achar que sou excêntrica e esquisita (e sou), outros, talvez, que não tenho reverência (já vi olhares reprovadores). É a minha forma de ser reverente. Canto, ajoelho-me, medito (no início só me ajoelhava e chorava, agora estou mais tranquila).
Do ponto de vista não religioso, puramente espiritual, o regresso faz-se ainda mais lento porque é muito solitário, não há ajuda. Sou Mestre de Reiki e os meus mestres não estão neste país. Nisto estou muito só. Nunca consegui praticar Reiki quando estava mal. Descri em tudo e nunca mais pratiquei. Um dia, se voltar a sentir o apelo do Reiki, voltarei a fazer todas as iniciações. Sinto saudade dessas vivências, mas perdi a força. O caminho faz-se caminhando. Quem sabe um dia…

sábado, 4 de junho de 2016

Porquê este blog e até onde vai

Agora são 22 meses depois...
Há sempre um "antes" e um "depois". Todos os temos. A diferença entre o meu "antes" e o meu "depois" não é de vestir um número 58 ou 60 para um 36 ou 38; é antes de enfrentar a morte e depois de ter sobrevivido. Antes de estar espalhada aos pedaços nos caminhos desta vida e depois quando tento recompor o puzzle e construir um novo eu.
Os otimistas e não dramáticos dizem “que sorte, estás viva”. Os pessimistas nem sei o que dizem porque, de facto, não me dizem nada. Eu tenho mais tendência para o pessimismo e, muitas vezes, nem mesma sei o que me digo ou o que penso. Ah, há os que dizem “Que azar tiveste”, ou pior “Pensamento positivo”. É isto que eu detesto. Parem! Não é uma questão de sorte ou de azar, e essa do pensamento positivo tem muito que se lhe diga e de que se escreva mas fica para outra ocasião. É demasiado simplista pensar que foi azar (mesmo assim, prefiro menos sorte). A vida tem um curso, fazemos as nossas escolhas. O que ocorre depois são consequências dessas escolhas (feliz ou infelizmente, influenciadas pelas escolhas de outras pessoas). Possivelmente também não é tão simplista assim mas é o que penso na maior parte das vezes.
A minha escolha foi não aguardar pela lista de espera dos hospitais públicos e que me parecia interminável para resolver a minha obesidade mórbida (que nome!): início de síndrome metabólico; hipertensão arterial; disfunção da tiróide; graves problemas de coluna e das articulações que no último ano me tinham atirado duas vezes para a cama sem poder andar; e, definitivamente, o que me levou a compreender que, ou resolvia essa obesidade ou não viveria muito tempo, uma grave apneia de sono. Também, claro, havia, e era muito importante, a minha autoimagem e a minha autoestima (ufa! Não acredito que escrevi isto! Como os obesos adoram a desculpa de serem bem-dispostos e a crença de serem felizes com o seu corpo!). Os americanos dizem “Only Santa looks fine with a belly”. E é verdade! É tão verdade! Eu vivia num corpo que não tinha nada a ver comigo e com o qual não me identificava. Após mais de 20 anos de tentativas falhadas de perda de peso e efeito “yo-yo” cheguei onde cheguei. A cirurgia bariátrica surgiu como a (repare-se não estou a dizer “uma”) forma de resolver muitos casos de obesidade mórbida. Continuo a acreditar que há outras soluções mas em alguns casos esta é “a” resolução. Quando me perguntam “Voltavas (ou voltava) a fazer?”, não tenho dúvida: Sim! Não sou inconsciente de saber que por nada a faria se soubesse o que se ia passar. Mas como não saberia, voltava a fazer, sim. Até porque o que se passou e, principalmente, o que se passa, não foi nem é causa direta da cirurgia.
Como eu escrevia acima, não quis esperar pelo meu lugar na imensa lista do hospital público da cidade onde vivo. Sabia de dois casos operados num hospital privado da capital portuguesa, procurei na internet (decididamente, o Google não é o melhor local para procurar informações de saúde) por médicos portugueses com mais experiência e lá o encontrei precisamente nesse hospital. Indo à sua consulta, a proposta que me apresentou era a oposta à do cirurgião de Ponta Delgada, alegada e ironicamente “para me preservar mais o estômago”, acrescentando ainda, se eu “tivesse 60 anos, mas com 50, não ficaria tão mutilada”. Isto deveria ter-me levado a uma escolha que não fiz: ouvir uma outra opinião. Mas a minha escolha não foi nesse sentido. Marquei a cirurgia para daí a 4 meses, 8 de setembro (não foi logo nessa semana devido aos meus compromissos profissionais) quando eu teria todo o novo ano letivo planeado, antes das aulas começarem e só não foi em agosto porque o próprio cirurgião estava de férias. Fui operada no seu primeiro dia de retorno ao trabalho.
Portanto, escolhi não esperar e decidi ser operada pelo médico que a fazer fé no que estava escrito no site desse hospital (aprendi muita coisa sobre hospitais privados; uma que não tenho a certeza é o tipo de propaganda - perdão, publicidade- que fazem), era quem em Portugal mais experiencia tinha neste tipo de cirurgias.
Pois é. Mas ser cirurgião é muito mais do que isto. É estar preparado para complicações. Fazer um “sleeve”, principalmente quando se fazem 3 ou 4 por dia, acaba por ser como escovar os dentes. A sua ciência e o seu saber também obrigatórios estão na resolução dos problemas que podem surgir. Porque acima de tudo é um médico, não é um talhante.
1% das pessoas submetidas a cirurgia bariátrica terão uma fístula. Há estatísticas que apontam para menos e outras que vão aos 5%. Dos doentes com fístula, 5% farão gastrectomia total. Depois de fazerem tratamento médico e eventualmente cirúrgico e se gastarem as possibilidades. Diz a evidência científica nas revisões sistemáticas que encontrei (será que esse cirurgião opera tanto que não tem tempo para ler?) e, encontrei tarde demais, já estava em casa, um ano depois (mas não era eu que tinha que me instaurar tratamento, pois não?), que as melhores práticas no tratamento de uma fístula após cirurgia bariátrica é o que me instauraram nesse hospital em conjugação com o que me fizeram em Ponta Delgada (já demasiado tarde e, verdade seja dita, que meses depois foi tentado nesse hospital lisboeta para onde fui transferida daqui, por outro cirurgião – afinal, se calhar no meio disto tudo é preciso um pouco de sorte… e me leva a questionar se ali os médicos não falam uns com os outros). A fístula, dizem os artigos científicos, é a complicação mais temida pelos cirurgiões (imagine-se pelos doentes…). Estranhamente, não fui advertida para essa possibilidade. Curiosamente não sabia o que era (sou de obstetrícia, ainda que nos dias de hoje tenha feito um curso teórico prático – e que prático! – de gastroenterologia).
Esta é uma consequência direta da cirurgia. Todas as complicações que tive, desde choque séptico e coma até incapacidade de me locomover a não ser em cadeira de rodas, passando por várias peritonites, várias cirurgias (nesse hospital era uma por semana), muitas anestesias gerais (15) infeção do cateter venoso central e uma reação rara a antibióticos que me deixou quase sem leucócitos e com muita febre, foram consequência da incapacidade de tratar adequadamente a fístula e do sistema de intervenção do referido hospital (misturar saúde e dinheiro pode mesmo ser explosivo). Que não tenha sido atempado não o consigo considerar pois quando o cirurgião soube das minhas queixas agiu imediatamente (ainda que não ter adiado a cirurgia de emergência  por eu e o meu filho Diogo lhe termos pedido para operar imediatamente naquela noite de 11 de setembro de 2014 – sim também tive o meu 11 de setembro – pois de contrário talvez não estivesse aqui a escrever isto). Se algum atraso houve foi dos enfermeiros que nunca valorizaram as minhas queixas. Depois, o tratamento das complicações foi aos tiros no escuro ou em navegação à vista que vai dar no mesmo. Até as ter todas, para usar a expressão de um médico que estava a fazer doutoramento e me pediu autorização para apresentar o estudo do meu caso: “A Sra. enfermeira (estranhamente para os enfermeiros fui sempre a Sra. Paula) não teve uma complicação; teve todas as complicações que estão descritas.” E hoje ele acrescentaria mais duas ou três.
Após cerca de cinco meses de internamento, nesse hospital e em Ponta Delgada, ironicamente com a minha vida a ser salva pelo cirurgião que me operaria aqui, e de um ano letivo sem trabalhar (estava previsto que começasse a 20 de setembro, comecei a 28 de junho), fui retomando (???) a minha vida.
Vivo com sequelas, algumas para a vida. Todos os problemas de saúde que eu tinha por ser obesa desapareceram ou são quase inexistentes. Fiquei com outros. Talvez menos sérios ou potencialmente perigosos (os riscos da obesidade são muito silenciosos e insidiosos) mas mais incomodativos.
Vou seguindo em frente, pegando nos pedaços que estavam perto e avançando, desviando e recuando. De vez em quando cai um pedaço ou encontro outro que estava perdido no caminho e no qual tropeço. Encorajada a escrever sobre o assunto, não consigo. É reviver e tornar real o que quero esquecer. Mas sei que só enfrentando esses demónios os posso integrar na minha vida. Esta é a principal razão porque o começo a fazer. Quando comecei a escrever sobre a situação de saúde do meu marido,  a nossa saga, sabia que terminaria quando estivesse resolvida. Agora não imagino o que me levará a parar de escrever aqui…
Porém, não quero que seja um muro de lamentações (tenho espaços na minha casa mais adequados para isso). Vou escrever o que surgir em cada dia. Para me obrigar a parar, pensar e, principalmente, sentir. Principalmente parar e sentir porque pensar já penso muito, talvez demais.
Vou-me (re)visitar, não me vou desnudar. Desengane-se quem pensar isso. Sou um brutal iceberg e nem 99% do que é a minha vida surgirá aqui. Imagine-se o resto.