Esta entrada levou algumas horas a escrever. Por falta de
tempo mas também por necessidade de respirar. Não quero que seja um balanço de
nada. Não gosto disso que se faz na passagem de ano, nos aniversários, por isso
talvez goste menos destas datas. Mas acabo por cair, também. O que não faço são
projetos. Mesmo profissionais, tento não fazer porque tenho verificado que a
vida nos troca as voltas e nos surpreende o que, muitas vezes, é muito bom.
Se escrever me é importante e necessário, o tempo tem-me
escasseado e está a ser mais difícil do que eu pensava. Muito não pode nem deve
ser exposto e a necessidade de colocar uma tampa, que só espalha pedaços,
continua.
2 de Agosto
Os 51 anos foram melhores que os 50 (pudera, também não era
difícil!) mas ainda assim penso que o melhor é irem embora. Já que não podemos
congelar o tempo e ele passa inexorável e sem se preocupar minimamente com as
suas consequências, então que passe. Ainda que esta fuga para a frente não
ajude a ficar mais jovem ou com a sensação de que ainda há muito para viver,
antes pelo contrário.
Afinal há muitas coisas pelas quais devo estar grata neste
meu ano que termina. Tive momentos inesquecíveis, maravilhosos, alguns um
pouquinho planeados, outros completas surpresas; alguns que poderia ter
imaginado, um par deles que nem nos mais maravilhosos ou loucos sonhos tinha
pensado. Cresci muito, olho para trás e verifico isso, o que é uma sensação
muito boa. Tento parar e pensar e verifico que sim e esforço-me para não
recordar ou, pelo menos, para não deixar que o menos bom cristalize na memória
e nas emoções.
Quis perder-me nas ruas da Praia da Vitória (num dia
radioso, um dos dias mais lindos que já vi nesta terra e que me fez compreender
uma frase do meu pai que por vezes adjetivava algo como “é lindo como o sol da
Praia”)
e na Base, com vontade enorme de encostar o carro que a Almerinda me
emprestou e escrever mas não tinha onde. Até que fui comprar este caderninho
mas como estava no porta bagagem e eu tive preguiça de ir buscá-lo, acabei por
não escrever.
Coloquei “Camilo Sesto – Fãs de Língua Portuguesa” a tocar, que
inclui as canções dos vídeos que fiz até agora e aí está: o espírito destas
canções é o da minha adolescência e juventude, dos anos 70 e princípios dos
anos 80. O espírito da Base e da Praia desses anos gloriosos. Dos amigos, das
paixões, da “praia de banhos” (a Praia da Sargentos), da Rádio Lajes, do
Azória, desta magnífica baía que é a Praia da Vitória e à qual dou um valor
tremendo agora, nunca dado antes enquanto aqui vivi (sucedendo o mesmo com as
touradas à corda e as danças de Carnaval que, é depois de ter ido embora, que
valorizo).
Cada uma destas canções traz mensagens desses anos e
mensagens dos últimos desde que redescobri Camilo. Gostaria de ter escrito
sobre isto mas escrever tem que ser espontâneo e se não o fiz, fazê-lo agora
sairia artificial o que me é impossível. Não sei ser artificial em nada e em
algo assim ainda menos. Posso é dizer que, claro, ainda que haja sentimentos e
emoções que são transversais, os meandros são muitíssimos diferentes. A pessoa
que sou é extraordinariamente diferente (comparando os 12-20 anos com os 40 e
muitos - 51) mas as suas bases de personalidade é a mesma. Em algumas coisas
ainda bem, por exemplo, a grande sensibilidade. Só que nesses anos era
camuflada de dureza, o que fez com que fosse muito incompreendida; hoje, a
aparente fragilidade faz com que exista surpresas quando se manifesta a faceta
de que “calma, afinal não é tanto assim”. Também, nessa altura, a admiração era
pelo artista, pura e simplesmente pois nada conhecia dele a não ser as poucas
fotos que chegaram a este país e as canções que, maior parte, consegui adquirir
nos velhinhos vinyl ou em cassetes. Na redescoberta, descubro a pessoa e aí, à
minha própria vida e passado há a associação de tudo o que tenho vivido nesse
contexto e também, não há como evitar, do sucedido nos últimos dois anos. Neste
particular, são uma forma de ajuda, de imensa e grande ajuda, mais do que, por
muitas razões, posso exprimir. Uma âncora, talvez a base deste puzzle que tento
(re)construir. Mas tenho outras bases, muito, muito válidas e muito queridas
também: o meu marido, o meu filho Diogo e a minha mãe. Com toda a complexidade
do que são as relações familiares, são uma base também. A minha prima-irmã e o
seu esposo, as minhas amigas que não vou nomear mas que sei que sabem quem são,
são outra base. E, extremamente importante, a minha profissão. Esta, o alicerce
mais firme, talvez aquele que foi menos tocado pois o sucedido só reforçou as
minhas convicções. Sei que pode parecer estranho que a minha profissão signifique
tanto para mim. Refiro-me ao que constitui as minhas funções e competências, o
que faço e fiz desde o primeiro dia, a própria atividade e não as pessoas que a
integram que, obviamente, como tudo o que é humano inclui muitas complexidades,
alegrias e desilusões. Sobre isso escreveria um Tratado mas só o poderei fazer
depois de reformada. Escrever profunda e amplamente sobre as relações humanas
da minha profissão, seja com as pessoas a quem prestei cuidados, com as pessoas
com quem trabalhei e trabalho ou com estudantes, só pode ser, por motivos
lógicos e éticos, um projeto para depois da reforma (credo, o que essa palavra
me assusta, mas ainda faltam 15 anos – se o governo não trocar entretanto as
voltas). Ou não, desde que omita pormenores e nomes (ainda que retire muito do
interesse e da espontaneidade, o que, de novo, me é muito difícil – caso para
pensar).
Sobre a reforma, se as coisas continuassem a ser como eram
quando me formei, estaria à beira dela. Safa!!!! E que ía fazer? Algo havia de
encontrar, além de escrever, e muito. Talvez continuasse a fazer investigação.
Mas nesses anos, quando me formei, os meus projetos eram passar metade do ano
em Portugal e metade no Brasil, sempre em busca do sol. Sonhar não custa. Por
enquanto. Andei por aí tirando fotos: da magnífica baía da Praia, do hospital
onde nasci, mesmo da janela do quarto onde via a luz do dia e da vida e que
fica virado para a Baía da Praia, depois na Base, da capela de Nossa Sra. do
Ar, da Rádio Lajes, de alguns pontos da pista. Da cicatriz que fico onde er o Azória - uma das coisas inconcbíbeis para quem viveu os anos gloriosos da BA4. Alguns têm acesso difícil. Ainda
me faltam alguns pontos que gost
4 de Agosto
Foi um dia de aniversário diferente mas bom.
E não começou muito bem. Acordei com dor de cabeça,
perguntando-me o que fazia sozinha na Terceira. Acabei por me rapidamente me
recordar e descobrir.
Depois, a Graça telefonou e saímos após o almoço. Esplanada,
barzinho, sumo natural, gaitadaria, conversa verdadeira. A seguir, umas compras
e então fomo-nos arrumar para jantar juntas com a Almerinda que, entretanto,
sairia do trabalho.
O jantar foi muito agradável, claro. E bom: leitão á moda da
Bairrada que eu não me atreveria a comer noutra circunstancia com medo de uma
crise de vesícula. Até bebi ¼ de copo de espumante tinto da zona da Mealhada!!!
Bem, fiquei com umas dorzinhas tipo síndrome de colon irritável mas nada de
especial.
O resto da noite foi mesmo bom, com mais conversa e sentar
nas esplanadas da avenida, ver algumas pessoas (a Graça conhece a ilha
toda!!!!) e depois, a oportunidade de ver um espetáculo de Reggae. Chamava-se “Quem
é o Bob”
e o cantor é muito bom mas não imagino quem seja nem encontro esta informação na Internet. Mas ainda vou tentar saber. Os talentos que andam ocultos por aí.
Ontem encontrámos o Camané na Farmácia e falámos com ele.
Inicialmente tímido, acabou por se descontrair enquanto esperávamos na fila
para sermos atendidos. Ser uma figura pública com o risco constante de pessoas inconvenientes
faz com que se acautelem e alguns acabem com comportamentos neuróticos. Mas
fomos muito discretas. Aliás, eu faço questão de sê-lo seja com que figura
pública for. São seres humanos que têm necessidade de ter uma vida própria e
privada e isso tem que ser respeitado tanto como a sua obra. O que é público é
o seu legado artístico não a pessoa e infelizmente muita gente não tem a noção
disso.
Portanto, ontem não houve coisas para as quais eu fazia
absoluta questão de existir num aniversário, meu ou dos meus, nomeadamente bolo
e velas. Não quis. Quis um dia o mais normal possível e acho que o consegui. Claro, com as mensagens de tantas pessoas maravilhosas que me cumprimentaram
por todos os meios e que eu agradeço muito. Estou a ler um livro cujo título e
algum conteúdo me faz pensar “Não olhes para trás”. Acho que tenho que me focar
mais nisso. Não vale a pena olhar para trás, não volta. Para a frente também
ainda não é nosso. Portanto, só resta o presente. Arrepender do que sucedeu
também não resolve nada. Continuo a acreditar que o pior mesmo é arrepender do
que não se fez. Se não deu certo paciência, ao menos tentou-se. Porque nada
pode ser mais triste do que “podia ter acontecido” ou “podia ter dado certo”.
Não sei qual será o resultado disto; espero dizê-lo daqui a
um ano.